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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Soltar a moça ou prender os curadores?
17/12/2008 23:24:00
por Affonso Romano de SantAnna
A moça se chama Pivetta (Caroline Pivetta da Mota) e está presa como pivete. Coincidência? Fatalidade do nome? Ou retrato sintomático de nossa época?
Ela tem 23 anos e se considera artista. A polícia acha que ela é marginal, porque não tem endereço fixo nem profissão, senão uma vaga alegação de "artesã". O fato é que ela, com um grupo de 40 colegas, invadiu a Bienal de Arte de São Paulo para pichar as paredes brancas do histórico prédio do Niemeyer. Quando a polícia chegou, houve corre-corre, quebradeira e ela foi a única que ficou presa. Presa há mais de 40 dias.
Vamos analisar a questão. Faço uma sugestão radical. Os advogados deveriam convocar como testemunha de defesa os próprios acusadores da moça. Exatamente. Não apenas os curadores dessa bienal, mas os curadores das anteriores também. Eles são peças fundamentais na liberação dessa jovem vítima.
Os curadores dessa (e de outras bienais) sempre fizeram a apologia da "transgressão". Há cem anos que a arte vive (e morre) disto. O aspirante a artista nem sabe desenhar, pintar, esculpir e recebe nas escolas de arte oficiais ordem para destruir o desenho, a pintura, a escultura ou qualquer tipo de arte. Materializou-se aquela piada: "hay govierno, soy contra” (é arte, sou contra).
A referida Pivetta faz parte de um grupo de grafiteiros que anteriormente havia pichado a Faculdade de Belas Artes da USP e a galeria Choque Cultural. Vejam o "imbroglio", a própria galeria tem esse nome "Choque cultural". Chocante. Uma bienal anterior tinha como slogan esse papo de que não existe "fronteiras" entre arte e não-arte. Esses jovens, portanto, crescem numa cultura que mitifica a "marginalidade", elogia a falta de " limites" e os incita a aparecer a qualquer preço. A pessoa nem sabe onde está a lei, mas já quer transgredir. E aqueles ingênuos jovens foram radicais; aliás, acharam que estavam sendo radicais: picharam a própria escola e galeria. Pergunta-se: que autoridade têm seus professores, que autoridade têm os curadores para exigir a punição e prisão deles?
A posição dos acusadores é insustentável. Eles mesmos não só alardearam que iam fazer uma bienal transgressora, tão transgressora que deixariam um espaço transgressor "vazio" mas iam convidar artistas e teóricos para debater e fomentar a "transgressão". Então, pergunta-se: há dois tipos de transgressão, a oficial e a proibida? Por que a transgressão oficial- a Bienal que custou 9 milhões de dólares (ou reais?), do nosso bolso, é melhor que outra? Quem é dono da transgressão?
Estou colocando em linguagem simples um assunto complexo, que em psicologia e linguística se chama “double bind", pois isto aqui é uma crônica e não um ensaio (ver "O enigma vazio"-Ed.Rocco-,que acaba de sair). Mas essencialmente quero dizer que a questão está mal colocada. Estão discutindo detalhes, sem uma visão de conjunto. É um horror ler que "há uma certa pressão dos organizadores da Bienal " para manter a moça presa. Os curadores também são réus. Vamos encarar de frente o problema, tenhamos coragem de analisar os equívocos de grande parte da arte do século 20. No mundo todo estão surgindo teóricos que analisam o que eu chamo de "irresponsabilidade estética" e a "estética da irresponsabilidade".
Enfim, é fácil jogar a culpa sobre a Pivetta de plantão. Mas a confusão que está na cabeça dela e dos curadores é a repetição de um episódio que tem acontecido em outros paises na fronteira entre arte & crime. E as questões da arte em nossa deteriorada pós-modernidade se tornaram tão complexas que escapam à compreensão dos críticos de arte oficiais.
O que está em julgamento não é a indigitada Pivetta. O que deve estar em julgamento é todo um conceito de arte e cultura que está esgotado e pateticamente "vazio" como essa lamentável Bienal que se enforcou no "duplo enlace" de seus próprios dilemas.
Affonso Romano de Sant’Anna é poeta, cronista, professor, administrador cultural e jornalista. Tem mais de 40 livros publicados, ensinou em universidades estrangeiras e nacionais e, à frente da Biblioteca Nacional (1990-1996), criou o Proler, o Sistema Nacional de Bibliotecas e programas de exportação da cultura brasileira. E-mail: santanna@novanet.com.br
FONTE: http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3720
por Affonso Romano de SantAnna
A moça se chama Pivetta (Caroline Pivetta da Mota) e está presa como pivete. Coincidência? Fatalidade do nome? Ou retrato sintomático de nossa época?
Ela tem 23 anos e se considera artista. A polícia acha que ela é marginal, porque não tem endereço fixo nem profissão, senão uma vaga alegação de "artesã". O fato é que ela, com um grupo de 40 colegas, invadiu a Bienal de Arte de São Paulo para pichar as paredes brancas do histórico prédio do Niemeyer. Quando a polícia chegou, houve corre-corre, quebradeira e ela foi a única que ficou presa. Presa há mais de 40 dias.
Vamos analisar a questão. Faço uma sugestão radical. Os advogados deveriam convocar como testemunha de defesa os próprios acusadores da moça. Exatamente. Não apenas os curadores dessa bienal, mas os curadores das anteriores também. Eles são peças fundamentais na liberação dessa jovem vítima.
Os curadores dessa (e de outras bienais) sempre fizeram a apologia da "transgressão". Há cem anos que a arte vive (e morre) disto. O aspirante a artista nem sabe desenhar, pintar, esculpir e recebe nas escolas de arte oficiais ordem para destruir o desenho, a pintura, a escultura ou qualquer tipo de arte. Materializou-se aquela piada: "hay govierno, soy contra” (é arte, sou contra).
A referida Pivetta faz parte de um grupo de grafiteiros que anteriormente havia pichado a Faculdade de Belas Artes da USP e a galeria Choque Cultural. Vejam o "imbroglio", a própria galeria tem esse nome "Choque cultural". Chocante. Uma bienal anterior tinha como slogan esse papo de que não existe "fronteiras" entre arte e não-arte. Esses jovens, portanto, crescem numa cultura que mitifica a "marginalidade", elogia a falta de " limites" e os incita a aparecer a qualquer preço. A pessoa nem sabe onde está a lei, mas já quer transgredir. E aqueles ingênuos jovens foram radicais; aliás, acharam que estavam sendo radicais: picharam a própria escola e galeria. Pergunta-se: que autoridade têm seus professores, que autoridade têm os curadores para exigir a punição e prisão deles?
A posição dos acusadores é insustentável. Eles mesmos não só alardearam que iam fazer uma bienal transgressora, tão transgressora que deixariam um espaço transgressor "vazio" mas iam convidar artistas e teóricos para debater e fomentar a "transgressão". Então, pergunta-se: há dois tipos de transgressão, a oficial e a proibida? Por que a transgressão oficial- a Bienal que custou 9 milhões de dólares (ou reais?), do nosso bolso, é melhor que outra? Quem é dono da transgressão?
Estou colocando em linguagem simples um assunto complexo, que em psicologia e linguística se chama “double bind", pois isto aqui é uma crônica e não um ensaio (ver "O enigma vazio"-Ed.Rocco-,que acaba de sair). Mas essencialmente quero dizer que a questão está mal colocada. Estão discutindo detalhes, sem uma visão de conjunto. É um horror ler que "há uma certa pressão dos organizadores da Bienal " para manter a moça presa. Os curadores também são réus. Vamos encarar de frente o problema, tenhamos coragem de analisar os equívocos de grande parte da arte do século 20. No mundo todo estão surgindo teóricos que analisam o que eu chamo de "irresponsabilidade estética" e a "estética da irresponsabilidade".
Enfim, é fácil jogar a culpa sobre a Pivetta de plantão. Mas a confusão que está na cabeça dela e dos curadores é a repetição de um episódio que tem acontecido em outros paises na fronteira entre arte & crime. E as questões da arte em nossa deteriorada pós-modernidade se tornaram tão complexas que escapam à compreensão dos críticos de arte oficiais.
O que está em julgamento não é a indigitada Pivetta. O que deve estar em julgamento é todo um conceito de arte e cultura que está esgotado e pateticamente "vazio" como essa lamentável Bienal que se enforcou no "duplo enlace" de seus próprios dilemas.
Affonso Romano de Sant’Anna é poeta, cronista, professor, administrador cultural e jornalista. Tem mais de 40 livros publicados, ensinou em universidades estrangeiras e nacionais e, à frente da Biblioteca Nacional (1990-1996), criou o Proler, o Sistema Nacional de Bibliotecas e programas de exportação da cultura brasileira. E-mail: santanna@novanet.com.br
FONTE: http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3720
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